"Ex libris" significa "dos livros de", é também uma vinheta que se cola nos livros com o nome do proprietário. O BITS, Grupo de Pesquisa Informação, Cultura e Práticas Sociais, é a vinheta sob a qual discutimos interesses diversos ligados às Ciências Humanas e realizamos nossas leituras sobre o mundo atual. Reforçamos aqui este caráter de buscador de conhecimentos, de reflexões sobre o mundo e a vida nessa sociedade digital.

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segunda-feira, julho 12, 2021

O papel das introduções

As Introduções e conclusões podem ser as partes mais difíceis de escrever nos trabalhos. Usualmente, quando você senta para fazer seu trabalho, tem pelo menos uma ideia do que quer dizer no corpo do texto. Já deve ter escolhido alguns exemplos que quer usar ou ter uma ideia que ajudará a responder a questão. Estas seções, entretanto, não são tão difíceis de escrever. Mas essas partes do meio do trabalho não podem apenas vir do nada, elas precisam ser introduzidas e concluídas de uma forma que faça sentido para o leitor.

Suas introdução e conclusão funcionam como pontes que transportam os leitores de suas próprias vidas até o "lugar" de sua análise. Se seus leitores têm acesso a um trabalho seu sobre educação na autobiografia de Frederick Douglass - que utilizaremos como exemplo neste post -, eles precisam de uma transição para auxiliá-los a deixar o cotidiano e as redes sociais digitais de lado e ajudá-los a entrar, temporariamente, no mundo escravocrata americano do século XIX (meio como assistir um filme). 

Ao fornecer uma introdução que ajude seus leitores a fazer essa transição entre seus próprios mundos e os temas sobre os quais escreve, você dá a eles as ferramentas que necessitam para entrar em seu tópico e se importarem com o que você está dizendo. De forma similar, uma vez que você conquistou seu leitor com uma introdução e lhe deu evidências para provar sua tese, sua conclusão pode ser uma ponte para ajudar os leitores a fazerem a transição de volta para suas vidas cotidianas.

Por que se importar em escrever uma boa introdução?

  1. Você não irá ter uma segunda chance de causar uma boa primeira impressão.  O parágrafo de abertura de seu artigo fornecerá a seus leitores as impressões iniciais de seu argumento, seu estilo de redação e a qualidade geral de seu trabalho. Uma introdução vaga, desorganizada, cheia de erros, fora do comum ou enfadonha provavelmente criará uma impressão negativa. Por outro lado, uma introdução concisa, envolvente e bem escrita fará com que seus leitores tenham um alto conceito de você, de suas habilidades analíticas, de sua escrita e de seu artigo. Essa impressão é especialmente importante quando o público que você está tentando alcançar (no caso acadêmico, primeiramente seu orientador) está avaliando seu trabalho.
  2. Sua introdução é um mapa importante para o resto do seu trabalho.  Sua introdução transmite muitas informações aos seus leitores. Você pode dizer a eles qual é o seu tópico, por que é importante e como você planeja prosseguir com a discussão. Deve conter uma tese que afirmará seu argumento principal. Idealmente, também dará ao leitor uma ideia dos tipos de informação que você usará para apresentar esse argumento e a organização geral dos parágrafos e páginas que se seguirão. Depois de ler sua introdução, seus leitores não devem ter grandes surpresas ao lerem o corpo principal de seu artigo. É só aproveitar a viagem! 😉
  3. De forma ideal, sua introdução deve fazer com que os leitores tenham vontade de ler seu trabalho. A introdução deve captar o interesse dos leitores, fazendo-os querer ler o resto do seu trabalho. A abertura com uma história convincente, uma citação fascinante (não exatamente no primeiro parágrafo), uma pergunta interessante ou um exemplo estimulante pode fazer seus leitores verem porque o assunto é importante e servir como um convite para que eles se juntem a você em uma conversa intelectual interessante.

Estratégias para escrever uma introdução eficiente

  • Comece por pensar em uma questão ou pergunta a ser respondida. Continuando o exemplo, podemos pensar em um ensaio que terá uma resposta a perguntas atribuídas previamente, e a introdução é o primeiro passo para esse fim. Sua resposta direta à pergunta atribuída será sua tese e ela será incluída em sua introdução. Portanto, é uma boa ideia usar uma pergunta como um ponto de partida. Imagine que recebemos a seguinte pergunta:
A educação há muito é considerada uma grande força para a mudança social americana, corrigindo os erros de nossa sociedade. Com base na narrativa da vida de Frederick Douglass, discutiremos a relação entre educação e escravidão na América do século XIX. Considerem o seguinte: Como o controle da educação pelos brancos reforçou a escravidão? Como Douglass e outros escravos afro-americanos viam a educação enquanto suportavam a escravidão? E qual foi o papel da educação na aquisição da liberdade? Mais importante ainda, considere o grau em que a educação foi ou não uma grande força para a mudança social no que diz respeito à escravidão.
  • Inicialmente podemos nos referir à educação e sua relação com a escravidão, a qual provavelmente será mais desenvolvida durante o ensaio completo. Esta questão também pode lhe dar algumas dicas sobre como abordar a introdução. Podemos observar que a pergunta começa com uma declaração ampla de que a educação tem sido considerada uma grande força para a mudança social, e então se estreita para enfocar questões específicas do livro de Douglass. Uma estratégia pode ser usar um modelo semelhante em sua própria introdução como uma forma de despertar o interesse do leitor e, em seguida, concentrar-se nos detalhes de sua discussão sobre o livro. É claro que uma abordagem diferente também pode ser muito bem-sucedida, mas olhar para a maneira como um hipotético professor formulou a pergunta às vezes pode lhe dar algumas ideias de como você pode respondê-la. Lembre-se, porém, de que mesmo uma abertura de "visão geral" precisa estar claramente relacionada ao seu tópico; uma frase inicial que dissesse "Os seres humanos, mais do que quaisquer outras criaturas na terra, são capazes de aprender" seria ampla demais.
  • Tente escrever a introdução por último. Você pode pensar que precisa escrever sua introdução primeiro, mas isso não é necessariamente verdade e nem sempre é a maneira mais eficaz de elaborar uma boa introdução. Você pode descobrir que não sabe o que vai argumentar no início do processo de redação, e somente por meio da experiência de redigir seu artigo/dissertação é que você descobre seu argumento principal. É perfeitamente normal começar pensando que você deseja discutir um ponto específico, mas acabará argumentando algo um pouco ou até mesmo dramaticamente diferente quando tiver escrito a maior parte do texto. O processo de redação pode ser uma maneira importante de organizar suas ideias, refletir sobre questões complicadas, refinar seus pensamentos e desenvolver um argumento mais sofisticado. No entanto, uma introdução escrita no início desse processo de descoberta não refletirá necessariamente o que você concluirá no final. Você precisará revisar seu artigo para ter certeza de que a introdução, todas as evidências e a conclusão refletem o argumento que você pretende. Às vezes ajuda redigir todas as suas evidências primeiro e, só em seguida, escrever a introdução - dessa forma, você pode ter certeza de que a introdução corresponde ao corpo do texto.
  • Não tenha medo de escrever uma introdução "temporária" primeiro e depois mudá-la. Algumas pessoas acham que precisam escrever algum tipo de introdução para iniciar o processo de escrita. Tudo bem, mas se você é uma dessas pessoas, certifique-se de retornar à sua introdução inicial mais tarde e reescrever se necessário (quase sempre é preciso).
  • Abra com algo que chame a atenção. Às vezes, especialmente se o tópico do seu trabalho for um tanto seco ou técnico, começar com algo atraente pode ajudar. Considere estas opções:
    1. um exemplo intrigante (por exemplo, a amante que inicialmente ensina Douglass, mas depois cessa sua instrução conforme aprende mais sobre a escravidão) ou uma citação provocativa, preferencialmente não literal (Douglass escreve que "educação e escravidão eram incompatíveis uma com a outra");
    2. um cenário intrigante (Douglass diz dos escravos que "[nada] foi deixado de fazer para aleijar seus intelectos, escurecer suas mentes, rebaixar sua natureza moral, obliterar todos os vestígios de seu relacionamento com a humanidade; e ainda assim, quão maravilhosamente eles têm sustentado a poderosa carga de uma escravidão terrível, sob a qual eles têm chorado por séculos!" Douglass afirma claramente que os proprietários de escravos fizeram um grande esforço para destruir as capacidades mentais dos escravos, mas sua própria história de vida prova que esses esforços poderiam ter sido malsucedidos.)
    3. uma história ou caso vívidos e talvez inesperados que ilustre o que quer discutir;
    4. uma pergunta instigante (dadas todas as liberdades que foram negadas aos indivíduos escravizados no sul dos Estados Unidos, por que Frederick Douglass concentra suas atenções tão diretamente na educação e na alfabetização?)
  • Preste especial atenção a sua primeira frase. Comece com o pé direito com os seus leitores, certificando-se de que a primeira frase realmente diz algo útil e que o faz de uma forma interessante e sem erros.
  • Seja direto e confiante. Evite afirmações como "Neste artigo, argumentarei que Frederick Douglass valorizava a educação" (muitas vezes fazemos isso, mas seria mais interessante evitar). Embora a frase aponte para seu argumento principal, não é especialmente interessante. Pode ser mais eficaz dizer o que você quer dizer em uma frase declarativa. É muito mais convincente nos dizer que "Frederick Douglass valorizava a educação" do que dizer que você vai dizer que sim. Afirme seu argumento principal com confiança. Afinal, você não pode esperar que seu leitor acredite se não soar como se você também acreditasse!


Como avaliar o rascunho de sua introdução


Peça a um amigo (sincero e franco 😇) que leia e diga o que ele espera que o artigo discuta, que tipo de evidência o artigo usará e qual será o tom do artigo. Se o seu amigo for capaz de prever o resto do seu artigo com precisão, você provavelmente tem uma boa introdução.

Cinco tipos de introduções pouco eficientes


1. Uma introdução que marque posição. Quando você não tem muito a dizer sobre um determinado tópico, é fácil criar esse tipo de introdução. Essencialmente, esse tipo de introdução, que é mais fraca, contém várias frases que são vagas e realmente não dizem muito. Eles existem apenas para ocupar o "espaço da introdução" em seu trabalho. Se você tivesse algo mais eficaz a dizer, provavelmente o diria, mas, por enquanto, este parágrafo é apenas um marcador.
Exemplo: A escravidão foi uma das maiores tragédias da história americana. Havia muitos aspectos diferentes da escravidão. Cada um criou diferentes tipos de problemas para pessoas escravizadas.
2. A introdução da pergunta reafirmada. Reafirmar a pergunta pode ser uma estratégia eficaz, mas pode ser fácil parar em apenas reafirmar a pergunta, em vez de oferecer uma introdução mais eficaz e interessante para o seu trabalho. Tente fazer algo mais interessante.
Exemplo: De fato, a educação há muito é considerada uma grande força para a mudança social americana, corrigindo os erros de nossa sociedade. A narrativa da vida de Frederick Douglass discute a relação entre educação e escravidão na América do século 19, mostrando como o controle branco da educação reforçou a escravidão e como Douglass e outros escravos afro-americanos viam a educação enquanto lutavam pela sobrevivência. Além disso, o livro discute o papel que a educação desempenhou na aquisição da liberdade. A educação foi uma grande força para a mudança social no que diz respeito à escravidão.
3. A introdução de dicionário. Esta introdução começa dando a definição do dicionário de uma ou mais palavras na pergunta atribuída (Oh Meu Deus!!! 😩). Esta estratégia de introdução está no caminho certo - se você escrever uma delas, pode estar tentando estabelecer os termos importantes da discussão, e este movimento constrói uma ponte para o leitor, oferecendo uma definição comum e de senso comum para uma ideia-chave. Você também pode estar procurando uma autoridade que dê credibilidade ao que escreve. No entanto, qualquer pessoa pode procurar uma palavra no dicionário e copiar o que ele diz - pode ser muito mais interessante para você (e seu leitor) se você desenvolver sua própria definição do termo no contexto específico de tarefa. No caso de um trabalho científico, existem autores que definem os fenômenos discutido. Ao mesmo tempo, temos que reconhecer que o dicionário não é um trabalho particularmente confiável, no sentido de ser mais uma ferramenta para o senso comum e para leigos. Procurar autores (cientistas sociais, historiadores, filósofos etc.) que discutam e ofereçam uma leitura original e informada é bem melhor.

4. A introdução tipo "decadência da humanidade". Esse tipo de introdução geralmente faz declarações amplas e abrangentes sobre a relevância desse tópico desde o início dos tempos. Geralmente é muito geral e não se conecta a tese. Você pode escrever esse tipo de introdução quando não tem muito a dizer - e é exatamente por isso que é ineficaz.
Exemplo: A escravidão tem sido um problema desde o surgimento do homem. 
5. A introdução de resenha. Este tipo de introdução é o que se faz para as resenhas de leitura. Fornece o nome e o autor do livro sobre o qual você está escrevendo, informa sobre o que o livro trata e oferece outros fatos básicos sobre o livro. Você pode recorrer a esse tipo de introdução quando estiver tentando preencher o espaço, porque é um formato familiar e confortável. É ineficaz porque oferece detalhes que o seu leitor já conhece e que são irrelevantes para a tese.
Exemplo: Frederick Douglass escreveu sua autobiografia, Narrativa da vida de Frederick Douglass, um Escravo Americano, na década de 1840. Foi publicado em 1986 pela Penguin Books. Ele conta a história de sua vida.

Trabalhos citados

Este post foi baseado, com algumas modificações, em The Writing Center da Universidade da Carolina do Norte (USA).
As citações são traduções livres a partir do livro Frederick Douglass, Narrative of the Life of Frederick Douglass, An American Slave, edited and with introduction by Houston A. Baker, Jr., New York: Penguin Books, 1986. (Edição em português: Narrativa da vida de Frederick Douglass: e outros textos. São Paulo: Penguin, 2021).

quinta-feira, março 04, 2010

A sociologia moral de Luc Boltanski

BLIC, Damien de. (2000). La sociologia politique et morale de Luc Boltanski. Toulouse, Raison politique, n. 3, p.149-158.

De Blic (2000) discutindo os trabalhos de Boltanski …

O primeiro objeto mais amplo sobre o qual ele vai sistematicamente por à prova esta preocupação é, classicamente, a sociologia de um grupo social: les cadres (os quadros). Ao se ater a uma sociologia dos quadros, o pesquisador é submetido a uma tensão: como levar em conta esta categoria sem naturalizá-la? Como escapar à tentação de hipostasiar tudo enquanto se mede a pregnância social desta figura: ‘de que ciência autônoma se pode se valer da autoridade para contestar a realidade de um princípio de identidade ao qual os agentes sociais concedem sua fé?” se pergunta Boltanski na introdução de seu trabalho. A questão se dirige então para a história da categoria, como testemunhando o título de seu trabalho (a formação de um grupo social), e deve remontar até os anos 1930, época na qual emergem em certos atores a preocupação de promover um movimento das classes médias destinado a romper tanto com a ordem social binária própria ao capitalismo quanto com as reivindicações do mundo do trabalho. O autor mostra então, como, no pré-guerra, a categoria se inscreveu duravelmente no mundo social se apoiando ao mesmo tempo em dispositivos técnicos (representações estatísticas, sistema de fundos de pensão…) e sobre a colocação de esquemas cognitivos. Resulta de certa exploração histórica que o trabalho de construção da categoria ‘quadros’ pode bem ser definida como um trabalho político do qual se pode seguir o desenvolvimento histórico, ligado a certas mobilizações, e que repousa sobre a ação de atores identificáveis (sindicatos de classes médias, portadores da modernização econômica…). É, a partir de agora, uma sociologia da ação política que se coloca e os quadros mostram como esta ação repousa largamente sobre uma capacidade dos atores para universalisar as propriedades locais.
A freqüência deste terreno vem trazer, ao mesmo tempo, vencer estas distâncias com uma sociologia que não lhe permite considerar as pretensões de justiça dos atores (suas formas de denúncia das injustiças pelas quais eles se consideram vítimas) que ele reencontra, nem da capacidade que eles têm de se abstraírem de seus casos particulares para chegar a formas gerais (das quais a categoria “quadros” é um exemplo). Para compreender estas competências de generalização, se impõe a necessidade de constituir sistematicamente uma sociologia da “forma [fim da p. 150] caso”, forma que se pode definir numa primeira aproximação como uma disputa no curso da qual os protagonistas “se dedicam a um intenso trabalho interpretativo e argumentativo, se opõem a um conflito de argumentação” e onde “cada parte procura mobilizar o maior número de recursos em seu favor”. Repousando sobre a questão dos “casos”, o sociólogo pode, de uma forma privilegiada, examinar as operações de generalização que estão sendo feitas (DE BLIC, 2000).